Entrevista com Vinicius Vilas Boas sobre a beleza do desfile da marca Maurício Duarte na edição N57 da SPFW.
Natural de Santo André, no ABC Paulista, mas paranaense de coração, o beauty artist Vinicius Vilas Boas possui formação pelo SENAC e conta com uma carreira diversificada, que inclui editoriais, campanhas publicitárias, desfiles e produções de beleza artística.
Conversamos com Vinicius Vilas Boas para entender um pouco mais sobre sua estreia ao assinar a beleza de um desfile na SPFW, seu processo criativo, sua relação com as tendências e suas inspirações.
Acompanhe abaixo a entrevista completa.
Qual é o sentimento de assinar a beleza do seu primeiro desfile na SPFW?
Ai, foi muito emocionante. A semana pré-São Paulo Fashion Week mexeu muito comigo. Cresci numa cidade muito pequena, minha família é humilde, então, as coisas que venho realizando, como assinar o São Paulo Fashion Week, durante muitos anos, eram sonhos distantes para mim. Acredito que esse convite, essa oportunidade que o Maurício Duarte e o John Fazzioli me deram, é uma afirmação do trabalho que venho fazendo. Sempre gostei muito de moda, desde muito pequeno, sempre acompanhei, e durante muito tempo, pareceu algo distante de acontecer. Foi algo que mexeu comigo, mas também acho que não é só sobre mim. É sobre toda a minha trajetória familiar, da minha família que torce por mim, que me acompanha. Acho que é um sonho que foi muito dividido, entre eu, meus amigos, minha mãe, meus irmãos, então foi muito especial, fiquei muito emocionado, muito honrado por ser o Maurício, por tudo que o Maurício representa, por ser a única marca indígena do São Paulo Fashion Week, pela confiança no meu trabalho e por deixar nas minhas mãos, sabendo que existe um cuidado. Acho que foi muito, muito mais especial do que eu imaginava.
Tenho uma amiga que é indígena e ela é uma pessoa que sempre me deixou muito a par, sabe? Para que hoje, nesse momento, com o convite do Maurício, eu entendesse como as coisas estão conectadas. A importância que foi o desfile do Maurício em especial, além de ser o São Paulo Fashion Week e ser o meu primeiro desfile. Foi muito emocionante, acho que a palavra é essa, emocionante, muito especial para mim, para minha carreira, e acho que é a concretização de um sonho, é viver um sonho em vida.
Como você descreveria o seu estilo de maquiagem e como ele se alinha com a estética da moda contemporânea?
Acredito que minha beleza tem um toque clean, porém moderno. Gosto de destacar pontos específicos na maquiagem. Não considero minha beleza maximalista, mas sim com um toque de modernidade pontual. Prefiro peles mais leves e uma beleza clean, porém com uma narrativa por trás, um ponto de referência que complemente o restante. É difícil definir, né? O próprio trabalho. Mas creio que seria isso, um estilo clean e moderno. Acho que isso se encaixa bem.
A gente percebe uma tendência mais surrealista nas passarelas internacionais, talvez o caso mais icônico seja o da Pat McGrath, um maximalismo. O seu estilo parece se contrapor no sentido de um frescor, de uma vivacidade muito brasileira.
É interessante você mencionar isso, porque tenho grande apreço por observar o Brasil e a arte que temos aqui. Sempre busquei trazer isso para meu trabalho. Apesar de estarmos vivendo em um mundo globalizado, onde temos acesso a muitas influências externas, sempre me esforcei para preservar nossa identidade. É algo que busco incorporar.
Quais são suas principais fontes de inspiração ao criar looks de maquiagem?
Acho que essas referências vêm muito dos meus amigos, das pessoas com quem convivo. Tenho o privilégio de ter amizades inspiradoras de várias regiões do Brasil, de diversas etnias. Essas pessoas que me rodeiam são uma fonte constante de inspiração. Naturalmente, isso se reflete no meu trabalho, pois é uma parte viva do meu cotidiano, da minha realidade. Gosto muito de ser brasileiro e tenho grande apreço pela nossa arte.
Como você abordou a colaboração com o Maurício Duarte para garantir que a maquiagem complementa as criações dele?
Quando conversei com o Maurício, queríamos uma beleza mais limpa. Conhecendo o tema da coleção, Piracema, me inspirei nos peixes que fazem parte desse fenômeno. Um deles, o pirarucu, é utilizado como material para construir essa coleção. Na escama do peixe, há esse reflexo de prata com verde que me chamou muito a atenção. Acredito que isso traz uma ideia de tecnologia, sabe? Pensei bastante nisso, em como unir a tecnologia com o trabalho do Maurício. Refleti muito sobre essa palavra: uma tecnologia originária, algo que se entrelaçasse em algo atual e contemporâneo, que é o que fazemos. É o que o trabalho dele representa para mim: algo muito atual, muito contemporâneo. Então, quis unir essas duas referências. Assim, trouxe pontos de luz para a beleza. Quis trazer nos olhos esse reflexo que vai do verde para o prata. E, para trazer uma informação de moda mais vanguardista, quis trazer esse reflexo prata para a boca. Combina muito bem também com as peças metalizadas que ele misturou com o artesanato indígena. Essa mistura, acredito que não vai tirar o foco principal, que são as peças, mas vai complementar, como se fosse um acessório para as roupas que o Maurício está criando.
Qual é a sua abordagem para lidar com a pressão e o ritmo acelerado do backstage durante a SPFW?
Eu estava muito emocionado, não era nem uma ansiedade, era uma emoção. Estava chorando o tempo inteiro, porque... Foi uma realização e é uma realização para mim. Como já havia participado de muitos desfiles, faz três anos que faço São Paulo Fashion Week, então eu já sabia como era, como funcionava o backstage. Tive a sorte de trabalhar com profissionais que admiro muito, como a Laura La Laina, o Gui Casagrande, Jo Portalupi, Ziel Moura, pessoas com quem já fiz desfiles e acabei aprendendo muito observando.
A minha equipe era composta por estudantes do Senac. O convite do Maurício era para que eu assinasse a beleza e comandasse essa equipe. Como minha primeira escola foi o Senac, eu compreendo o contexto e sei o quanto é especial ter essa oportunidade. Para mim, foi ainda mais significativo. Na semana anterior, conduzi uma reunião com eles, fui até o Senac para conversar com os coordenadores, e no dia do evento, me senti confiante, pois tive a oportunidade de demonstrar a beleza e explicar o passo a passo antes do desfile. Quando conheci os alunos, percebi uma receptividade muito boa por parte deles, estavam verdadeiramente dispostos a trabalhar comigo, o que me deixou tranquilo. Foi um momento especial e o que desejava naquele dia era que todos tivessem uma experiência positiva, sem impressões negativas, estresse ou cansaço. Queria que fosse uma experiência prazerosa para todos. Assim, estava confiante, acreditando que eles iriam desempenhar bem, e de fato entregaram um excelente trabalho.
Como você se mantém atualizado sobre as tendências de maquiagem e como as incorpora em seu trabalho?
Eu consumo muitas referências. Tenho uma pasta com referências dos maquiadores que admiro muito. Sempre acompanho o trabalho deles. Também faço uma filtragem do que combina com meu estilo de maquiagem. Então, gosto de absorver muitas coisas. A referência é uma parte crucial do nosso trabalho, porque tudo que consumimos visualmente acaba influenciando na nossa expressão. Gosto muito de assistir clipes, vídeos visuais. Principalmente clipes de música, que me inspiram bastante, pois sou muito ligado à música. Mas essa questão de acompanhar os artistas, maquiadores que admiro traz muitas referências. E desse conjunto de referências, gosto de filtrar aquilo que acho que diz sobre mim ou que faz sentido. Tenho também meus amigos artistas que acompanho e que também me inspiram muito. Temos uma relação mais próxima e acabamos trocando ideias sobre o processo criativo. Isso me dá mais inspiração para desenvolver meus próprios processos. Acredito que é assim que consigo traduzir para o meu trabalho aquilo que esteticamente combina com o que desejo expressar.
Quais são os aspectos mais importantes que você considera ao escolher produtos de maquiagem para um desfile de moda?
Eu acho que a performance que o produto entrega é crucial. Para um desfile, um produto precisa ter uma performance que se destaque na passarela. Deve ser algo leve, que traga frescor, que mostre uma pele bonita e saudável. Isso depende muito da tecnologia dos produtos também. Então, para mim, é fundamental que esses produtos tenham um bom desempenho e proporcionem naturalidade à maquiagem. Sempre gosto de fazer testes para ver como eles se comportam na luz ou nas fotos. É muito importante para mim que resultem em uma pele saudável, que respire. Portanto, faço uma seleção cuidadosa de produtos que me proporcionam esse efeito no resultado final.
Como você se prepara para garantir que a maquiagem permaneça impecável durante todo o desfile considerando as longas horas, as mudanças de looks, as sessões fotográficas?
Eu acho que o principal para mim é a preparação da pele. Uma pele bem preparada e hidratada vai fazer com que qualquer produto cumpra melhor sua função. Portanto, durante uma semana de moda, acho essencial usar hidratantes potentes, fazer massagens e cuidar da saúde da pele, preparando-a adequadamente e atendendo às necessidades de cada modelo. Cada modelo tem um tipo específico de pele, então é crucial ter sensibilidade para saber o que usar para cada um. Algumas peles vão precisar de mais hidratação, exigindo um tempo extra para a massagem. Ou algumas podem precisar não apenas de um bom hidratante, mas também de um óleo para restaurar a vitalidade. Assim, uma boa preparação da pele para uma semana de moda ou um desfile é muito importante.
Qual é a sua opinião sobre a importância da diversidade e da inclusão na indústria da moda, e como isso se reflete em sua abordagem à maquiagem?
Eu acho que ainda precisamos evoluir muito, apesar de já termos avançado e de as coisas terem melhorado consideravelmente. Mas em um país tão diverso em termos de raças, acredito que essa questão precisa ser constantemente discutida e reforçada. As pessoas precisam se ver representadas em todos os lugares. Ter representatividade é o mínimo necessário, sabe? Para mim, tendo o privilégio que tenho, é muito importante que as pessoas vejam meu trabalho e percebam a diversidade de tons e de peles que existe. É essencial que continuemos a promover essa discussão e a exigir produtos e pessoas que estejam presentes nesses espaços importantes, para que outros se vejam representados e sintam-se inspirados a ocupá-los.
A moda é um ambiente muito restrito, e é crucial que mais pessoas tenham oportunidades de sonhar e de alcançar esses lugares. Isso só é possível por meio da representatividade.
