Nos anos 1970, Jodorowsky concebeu um filme que não era apenas uma adaptação da obra de Frank Herbert, mas uma experiência total, um manifesto estético que expandia a própria noção de narrativa visual.
Se "Duna: Parte Dois" chega às telas como um épico meticulosamente arquitetado, há uma outra versão de "Duna" que paira sobre o imaginário cinematográfico como um delírio visionário, uma obra que nunca existiu e, ainda assim, redefiniu os limites do design no cinema. Trata-se do "Duna" de Alejandro Jodorowsky, um projeto tão megalomaníaco quanto revolucionário, registrado no documentário Jodorowsky’s Dune (2014), de Frank Pavich.
Nos anos 1970, Jodorowsky concebeu um filme que não era apenas uma adaptação da obra de Frank Herbert, mas uma experiência total, um manifesto estético que expandia a própria noção de narrativa visual. O cineasta chileno-mexicano via "Duna" como uma jornada espiritual, um portal para a transcendência, e sua abordagem ao design de produção refletia essa ambição desmedida. Em parceria com Jean "Moebius" Giraud, ilustrou mais de 3.000 storyboards – não apenas esboços funcionais, mas composições gráficas de uma riqueza visual vertiginosa, repletas de simbolismos esotéricos e formas que desafiavam qualquer lógica convencional.
O elenco projetado por Jodorowsky transformava a própria mise-en-scène em um jogo de signos. Salvador Dalí, que interpretaria o Imperador, exigiu um cachê de 100 mil dólares por hora – um gesto que, por si só, já tornava a figura imperial um pastiche da extravagância aristocrática. Orson Welles, convencido a integrar o elenco com a promessa de banquetes luxuosos, encarnaria o Barão Harkonnen, enquanto Mick Jagger e Gloria Swanson compunham um elenco que borrava as fronteiras entre o pop, o surrealismo e o cinema clássico. Paul Atreides, protagonista da saga, seria vivido pelo próprio filho de Jodorowsky, treinado durante anos em artes marciais e filosofia oriental para o papel.
Mas talvez a proposta mais radical de Jodorowsky estivesse na concepção do espaço fílmico. Ele convocou H. R. Giger – futuro criador da estética biomecânica de Alien – para imaginar os Harkonnen como seres saídos de pesadelos industriais, mesclando carne e metal em um grotesco espetáculo de decadência. Chris Foss, mestre da ficção científica ilustrada, projetou naves que pareciam crescer organicamente, ignorando qualquer compromisso com a aerodinâmica funcional. E para a trilha sonora, Jodorowsky imaginava uma justaposição entre a eletricidade do Pink Floyd e as composições progressivas do Magma, criando um som tão denso e alucinatório quanto a paisagem visual.
O filme nunca saiu do papel. O orçamento, incapaz de acompanhar a voracidade criativa do diretor, colapsou antes das filmagens, e os direitos de adaptação passaram para Dino De Laurentiis, que posteriormente entregaria o projeto a David Lynch. No entanto, as ruínas desse "Duna" nunca realizado assombram a cultura visual. Elementos concebidos para ele podem ser rastreados em Blade Runner, Star Wars e Alien, provando que o que Jodorowsky desenhou nunca se perdeu – apenas se dispersou na iconografia do século XX.
Jodorowsky não fez um filme, mas construiu um imaginário. Seu "Duna" é um objeto impossível, um ensaio cinematográfico que existe na memória coletiva como um palácio de areia, constantemente remodelado pelo vento das influências artísticas. Sua maior realização talvez tenha sido demonstrar que, no design, o radical não é um excesso – é uma necessidade.