O designer retoma volumes de séculos passados, saias de quadril acentuado, corpetes ajustados, contrapondo-os a zíperes aparentes e martingales, que tensionam a fronteira entre o artesanal e o industrial, o clássico e o contemporâneo.
Sem recorrer a um tema único, escolha deliberada, fruto de maturidade criativa, o estilista apresenta uma coleção que funciona como ensaio sobre o ofício da costura: a roupa como arquitetura do corpo, a construção como discurso. A ausência de conceito narrativo dá lugar à presença da técnica, à precisão de quem domina o fazer e o coloca a serviço da forma. Os quatro primeiros looks já sinalizam essa direção: um conjunto de blusa de tricoline e calça de sarja, um vestido branco de crepe de caimento pesado e recortes laterais quase inteiros, uma camisa e bermuda de algodão, e um vestido preto longo, metade ajustado, metade solto. O contraste entre estrutura e fluidez, contenção e movimento, dá o tom de uma coleção que investiga o equilíbrio entre o visível e o invisível, aquilo que se mostra e o que apenas se sugere.
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Em comum, todas as peças revelam um rigor quase obsessivo com a construção. O vestido preto, por exemplo, é quase sem costuras; a bermuda traz estruturas internas que elevam as barras e revelam forros coloridos; as costas amplas de certos vestidos recriam a silhueta dos capuzes de moletom, gesto que aproxima o couture do cotidiano. O que parece sobreposição é, muitas vezes, uma única peça, engenhosamente articulada por pregas, pences e recortes estratégicos. Essa atenção ao detalhe, que atravessa toda a obra de Herchcovitch, encontra aqui uma clareza rara. Há ecos de alfaiataria, ecos de drama barroco, ecos do experimentalismo dos anos 1990, mas tudo submetido a um olhar mais sereno, quase científico. O designer retoma volumes de séculos passados, saias de quadril acentuado, corpetes ajustados, contrapondo-os a zíperes aparentes e martingales, que tensionam a fronteira entre o artesanal e o industrial, o clássico e o contemporâneo.
O desfile, nesse sentido, parece sintetizar um percurso de reconciliação. Herchcovitch, que sempre foi celebrado por sua capacidade de ruptura, agora pratica um tipo diferente de radicalidade: a radicalidade da sutileza. Ao abdicar de temas grandiloquentes, ele reivindica o direito ao essencial. Cada detalhe é intencional, cada dobra tem função. É um trabalho de precisão emocional, onde o rigor formal é o veículo da expressão. O resultado é uma coleção profundamente contemporânea, não porque adere a tendências, mas porque entende o tempo presente como espaço de multiplicidade e contradição. Em uma mesma peça, convivem o gesto histórico e a síntese minimalista; o fetiche do detalhe e a honestidade da forma. É a tradução madura de uma visão que, desde os anos 1990, ajudou a consolidar a moda brasileira como campo de pensamento e experimentação.
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