Dior Spring-Summer 2026: o futuro como espelho da memória

Em um cenário dominado por uma pirâmide invertida e um vídeo do documentarista Adam Curtis, a maison revisitou sua própria história com uma leitura tecnológica e cinematográfica.

Moda // Other Side
por Caíque Nucci
Outubro, 2025

Na Semana de Moda de Paris, Jonathan Anderson apresentou sua primeira coleção feminina para a Dior, inaugurando uma nova fase para a maison com um desfile que cruzou história, cinema e tecnologia.

O espetáculo começou com a pergunta projetada em uma pirâmide invertida: Do you dare enter the House of Dior? No telão, um filme assinado pelo documentarista britânico Adam Curtis misturava imagens de antigos desfiles da marca com cenas de clássicos de horror dos anos 1960 e fragmentos da história de seus diretores anteriores, de Yves Saint Laurent a Maria Grazia Chiuri. Ao final, o vídeo parecia ser sugado para dentro de uma caixa de sapatos, metáfora criada por Anderson para falar de memória, medo e reinvenção.

No centro da passarela, instalada nos Jardins das Tulherias, o cenário refletia essa ideia de transição. A pirâmide invertida pairava sobre um espaço de mármore cinza, em que modelos cruzavam luz e sombra vestindo peças que combinavam referências da alta-costura com códigos do cotidiano. A icônica jaqueta Bar surgia reduzida a proporções infantis, enquanto vestidos estruturados em tule e rendas se abriam em formas que lembravam asas. O contraste entre alfaiataria e transparência, rigidez e fluidez marcou o tom da coleção.

Em entrevista, Anderson descreveu o processo como um diálogo entre harmonia e tensão. Inspirado por décadas da história da Dior, ele afirmou não querer romper com o passado, mas abrir a caixa e reorganizar o que há dentro dela. Esse gesto simbólico de reorganização permeou todo o desfile, das saias em tafetá arquitetônico às microembroiders que revisitavam a tradição artesanal dos ateliês da marca.

A coleção também marcou o início de um novo capítulo estratégico para a Dior. Como primeiro diretor criativo a comandar simultaneamente as linhas masculina e feminina, Anderson propõe uma leitura transversal da moda. O mesmo olhar escultórico que redefine volumes em Loewe aparece aqui aplicado à herança da maison, aproximando experimentação e herança cultural.

Com um elenco que incluía Charlize Theron, Rosalía, Jisoo e Brigitte Macron na plateia, a estreia foi recebida com uma ovação de pé. A Dior de Anderson não se refugia no passado, ela o reprograma, transformando o arquivo em campo de experimentação. Entre o cinema, a arquitetura e o gesto de costurar, o desfile reafirma que a moda, quando vista como linguagem, continua sendo uma das mais potentes formas de pensar o tempo.

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