SPFW n58 Fashion Show Review: FOZ

O trabalho com grupos de artesãs de diferentes estados, sempre com a identidade nordestina como bússola, reforça o compromisso de Antônio Castro em honrar suas raízes e expandir as possibilidades da moda nacional

Moda // Spotted: Fashion-System
por Caíque Nucci
Outubro, 2024

No terceiro dia do SPFW N58, a Foz, marca do estilista alagoano Antônio Castro, apresentou uma coleção que é história. Em “O Conto de Laura”, Antônio homenageia sua tia-avó, que nos anos 1930, em busca de liberdade, deixou a família para se unir ao cangaço. A narrativa mistura realidade e ficção, traçando uma linha entre o que realmente aconteceu e as possibilidades que a imaginação do designer acrescentou.

A coleção foi dividida em três momentos: Sonho, Sina e Lenda, cada um representando diferentes facetas da trajetória de Laura. O bloco inicial, Sonho, trouxe uma paleta de tons claros, com peças leves de algodão adornadas por botões prateados e bordados detalhados. Camisas com amarrações de laço e vestidos amplos com fechamento tipo envelope davam um toque romântico e fluido, convidando o público a vislumbrar a simplicidade e a leveza dos primeiros passos da personagem em sua jornada.

A transição para a segunda parte, Sina, trouxe cores mais intensas e uma riqueza de estampas exclusivas. Criadas por Cleyton Almeida e Sil da Capela, as estampas retratavam as fachadas das casas de Alagoas dos anos 1930 e cenas bucólicas do interior, enquanto os vestidos de seda e pijamas estampados ganhavam vida na passarela. A técnica do rendendê, típica de Alagoas, se destacou nas flores bordadas, combinando tradição e um toque contemporâneo.

O bloco final, Lenda, trouxe uma estética mais densa e volumosa, refletindo a transformação de Laura em sua busca por liberdade. As peças assimétricas em jacquard exibiam desenhos robustos e texturas elaboradas, revelando o domínio técnico de Antônio. Entre os destaques, estavam os vestidos de musseline de seda e chiffon em patchwork, onde antigas moedas de cruzeiro foram encapsuladas no tecido, criando um efeito de memória e valor histórico. Outro ponto alto foi o vestido com 5.300 botões de madrepérola, que simbolizava a delicadeza e complexidade dessa narrativa.

Mas a coleção de Antônio Castro vai além das roupas; ela é uma celebração das técnicas artesanais brasileiras. A renda filé, o fuxico, o bordado, o redendê e as cestarias são trabalhados com maestria, integrando a história de sua tia-avó com a herança cultural nordestina. Cada peça traz um toque único, como as palavras bordadas em renda filé, formadas a partir de uma carta fictícia que o estilista escreveu como se fosse Laura.

A cenografia do desfile também teve um papel crucial na narrativa. No centro da passarela, uma imensa cama de madeira com dossel, construída na Ilha de Ferro, era o ponto focal. Durante o desfile, a atriz Nataly Rocha permaneceu deitada nos lençóis, simbolizando o repouso de Laura. Somente ao final, ela se levantou, revelando que os lençóis eram, na verdade, um vestido branco com uma longa cauda. A metáfora visual completava a história: assim como Laura, ela despertava para um novo capítulo de sua vida.

Com uma equipe talentosa e colaborações artísticas de peso, o desfile de Foz no SPFW N58 foi um espetáculo que trouxe a cultura nordestina para o centro da moda brasileira, reimaginando histórias de liberdade e resistência. O trabalho com grupos de artesãs de diferentes estados, sempre com a identidade nordestina como bússola, reforça o compromisso de Antônio Castro em honrar suas raízes e expandir as possibilidades da moda nacional.

Antonio Castro, Diretor Criativo da FOZ 

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