O legado de Dieter Rams no Design: O Silêncio Radical da Forma

Hoje, quando o design corre o risco de dissolver-se no espetáculo ou na performance do “novo”, revisitar Rams é um exercício de resistência. Jonathan Ive, Jasper Morrison, Naoto Fukasawa, todos beberam de sua fonte.

Design // Spotted: Magic Lines
Por Gilles Pedroza Leite
Junho, 2025

Há legados que se impõem pelo ruído da inovação; outros, como o de Dieter Rams, pela serenidade de um gesto que redesenha o essencial. Rams não projetou objetos, ele desenhou silêncios. Seu design, disciplinado por uma ética que beira o ascetismo, tornou-se um manifesto visual contra o excesso. Ao formalizar seus Dez Princípios, Rams não ofereceu mandamentos, mas pistas para uma existência mais sensível, mais justa, mais honesta. O que está em jogo em sua obra não é a estética do minimalismo como fetiche de mercado, mas uma profunda convicção de que reduzir é respeitar: o usuário, o ambiente, o tempo. Em um mundo embriagado pela obsolescência, ele nos lembra: menos não é apenas mais, menos pode ser suficiente.

Sua colaboração com a Braun e a Vitsoe constitui talvez a mais coerente gramática visual do século XX. Do rádio ao sistema modular, Rams fundou uma linguagem em que forma e função são inseparáveis, não por obediência ao funcionalismo clássico, mas por uma ética que vê no detalhe uma forma de cuidado. O botão, a curva, o espaço vazio: tudo fala. Sua recusa a adornos não é uma negação do belo, mas a aposta em um belo que emerge da clareza. Tal qual um poema haicai, seus objetos sugerem mais do que mostram, convidam mais do que impõem. Sua tecnologia é aquela que se infiltra no cotidiano sem gritar, mas molda, com ternura, a forma como habitamos o mundo.

Hoje, quando o design corre o risco de dissolver-se no espetáculo ou na performance do “novo”, revisitar Rams é um exercício de resistência. Jonathan Ive, Jasper Morrison, Naoto Fukasawa, todos beberam de sua fonte. Mas seu legado não reside na citação ou no estilo, e sim na atitude: projetar como quem escuta. Escutar o contexto, a necessidade, o tempo. Rams nos legou mais que objetos: ofereceu-nos um método ético de existir no mundo através da forma. Seu design não quer ser lembrado como autoral, mas como útil. E é justamente aí que ele se torna inesquecível.

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