Desde os primeiros traços em cavernas feitas com carvão até as sombras dramáticas do Renascimento, o preto sempre serviu como pano de fundo para o sagrado, o oculto, o sofisticado e o político.
Preto não é cor primária, secundária ou terciária. Tampouco está na roda das cores. O preto é, na verdade, a absorção de todas as cores, um vórtice de luz engolida. Invisível na paleta convencional, mas onipresente nas superfícies do design, o preto é uma ausência que significa demais. E talvez por isso, ele seja uma das presenças mais potentes na história da arte, da moda e da cultura visual.
Desde os primeiros traços em cavernas feitas com carvão até as sombras dramáticas do Renascimento, o preto sempre serviu como pano de fundo para o sagrado, o oculto, o sofisticado e o político. No Antigo Egito, simbolizava fertilidade. Na Idade Média europeia, poder e riqueza. Para o mundo moderno, é a cor da elegância silenciosa e da rebeldia silenciosa também. Mas não há nada silencioso no modo como o preto comunica. Ele carrega múltiplas camadas de significado e contradição. Para alguns, é luto; para outros, autoridade. É a cor dos uniformes, dos protestos, do luxo e da subversão. O preto é sempre carregado, nunca neutro, embora designers frequentemente o usem como tal. É curioso como o preto, usado no corpo, torna-se ferramenta de invisibilidade.
Por que tantos designers vestem preto? A resposta mais pragmática é foco: quando se trabalha com uma explosão de cores no projeto, o preto no vestuário acalma e neutraliza. É o uniforme de quem prefere que a atenção esteja no trabalho e não no designer. O preto ajuda a destacar o trabalho, não quem o faz. Mas há algo mais profundo nesse gesto. O preto é também uma escolha estética e política. Ele é a recusa do excesso, do barulho, da distração.
É a cor que representa o silêncio do ego diante do processo criativo. Designers como Jonathan Anderson, Gustavo Piqueira, Giorgia Lupi e Paula Scher, por exemplo, se vestem com simplicidade quase cômica diante da teatralidade de suas criações. Uma separação clara entre autor e obra. Ainda assim, precisamos olhar com atenção para o peso cultural que o preto carrega. Em muitas línguas e expressões como blacklist, black sheep, “mercado negro”, retratam o preto associado a negatividade, perigo ou exclusão. Essas conotações, muitas vezes racializadas, não são meras coincidências. O design, como campo de linguagem e representação, deve questionar essas estruturas.
Talvez o preto nunca tenha sido “apenas uma cor”. Ele é uma superfície reflexiva, simbólica, histórica e cultural. Um espelho escuro onde projetamos nossos medos, desejos e valores. E nesse sentido, continua sendo uma das ferramentas mais poderosas do repertório visual humano. Preto vai com tudo. Mas, mais do que isso: o preto diz tudo.