SPFW N60: Catarina Mina

Conhecida pelo trabalho com renda de bilro, palha de carnaúba e crochê, a Catarina Mina amplia agora seu repertório manual, incorporando o bordado de Caicó, do Rio Grande do Norte, reconhecido como Patrimônio Imaterial Brasileiro e o Richelieu de Maranguape, técnica de recorte e bordado de alta sofisticação, tradicional em um dos municípios mais antigos do Ceará.

Moda // Other Side
por Sarah Rocksane Araújo
Outubro, 2025

Na sua terceira participação na SPFW, a marca cearense Catarina Mina apresenta a coleção “Carnaúba”, consolidando uma posição singular no cenário da moda brasileira: a de transformar o fazer artesanal em projeto estratégico de futuro. Mais do que desfilar roupas, a marca propõe um reposicionamento do artesanato nordestino, não como citação estética ou apelo afetivo, mas como tecnologia social, economia circular e linguagem de moda autoral. A coleção marca um ponto de expansão importante. Conhecida pelo trabalho com renda de bilro, palha de carnaúba e crochê, a Catarina Mina amplia agora seu repertório manual, incorporando o bordado de Caicó, do Rio Grande do Norte, reconhecido como Patrimônio Imaterial Brasileiro e o Richelieu de Maranguape, técnica de recorte e bordado de alta sofisticação, tradicional em um dos municípios mais antigos do Ceará. Essa integração entre territórios artesanais cria uma narrativa de Nordeste expandido, onde as fronteiras estaduais cedem lugar a uma cartografia colaborativa de saberes manuais.

O bordado manual, desenvolvido por mães em situação de vulnerabilidade econômica, não é tratado como mero detalhe decorativo, mas como fonte de renda digna e autonomia criativa. Catarina Mina reafirma que valorização de matéria-prima também significa valorização de mão de obra e história.

A escolha da carnaúba como eixo central da coleção é deliberada e simbólica. Conhecida como “árvore da vida”, ela representa não apenas a paisagem do Ceará, mas a lógica de aproveitamento total: nada se descarta, tudo se transforma, um princípio ancestral que antecede e supera qualquer discurso de sustentabilidade de passarela. A árvore aparece em bordados maximalistas sobre linho e Richelieu, no kaftan que se torna peça-chave do desfile, e também em leituras fragmentadas : folha, caule e fruto surgem como inscrições discretas, quase cartográficas. As estampas Palma e Noir, pintadas em aquarela, apresentam a árvore em variações que simbolizam o dia e a noite de um carnaubal, conferindo à coleção uma camada poética sem perder o rigor técnico. O uso de tecidos nobres como seda, linho, rami e algodão de base natural reforça a ideia de um luxo enraizado, onde o valor está mais no tempo de feitura do que na aspiração internacional.

Ao elevar técnicas como a renda de bilro e o Richelieu a uma dimensão contemporânea, Catarina Mina rompe com o estereótipo do artesanato como algo “rústico” ou “folclórico”. O crochê, a palha e os bordados não funcionam como nostalgia, mas como matriz estética de sofisticação, alinhada à moda global, sem abrir mão da identidade territorial. Nas bolsas e acessórios, a delicada palha de buriti aparece em novos formatos, reforçando uma estética de utilidade refinada.

Mais do que celebrar a carnaúba, a coleção celebra quem colhe, quem tranç a, quem borda, quem transforma. E lembra que, no Brasil, moda de futuro pode nascer do trabalho de mãos que conhecem a terra, não apenas das telas.

Ler mais