Spotted: Biarritzzz

A partir de uma visão crítica sobre digitalidade e virtualidade, biarritzzz discute cultura pop, pedagogias do meme, políticas do erro e do improviso, estéticas de videogame e internet, com poesia e imagens em movimento.

Cultura // Spotted: Human
Por Complete Magazine
Dezembro, 2023

biarritzzz (1994, Fortaleza, vive e trabalha em Recife, Brasil) é uma artista transmídia antidisciplinar que investiga interseções entre linguagens, códigos e mídias. Ela acredita na magia e na baixa resolução como contra narrativas importantes para viver a atual disputa cosmológica de realidades.

A partir de uma visão crítica sobre digitalidade e virtualidade, biarritzzz discute cultura pop, pedagogias do meme, políticas do erro e do improviso, estéticas de videogame e internet, com poesia e imagens em movimento.

Já expôs nacional e internacionalmente, incluindo a plataforma Satélite (Pivô Arte e Pesquisa), A.I.R Gallery, Centro Cultural São Paulo, The Wrong Biennale, FILE, IMS (Instituto Moreira Salles), The Shed NY entre outros festivais e exposições coletivas. Integra os acervos do Rhizome Artbase (New Museum), KADIST Foundation, IMS, SPAMM.fr, HIPOCAMPO, e MIS-SP (Museu da Imagem e do Som de São Paulo).

Conheça mais sobre o trabalho e trajetória da artista na entrevista abaixo.


CM: Para você, como a noção de progresso associada ao futurismo se contrapõe à noção de tempo circular e/ou espiralar presente nas cosmovisões ancestrais negras e indígenas e como essa dualidade do tempo se manifesta no seu trabalho?

O futurismo foi assumidamente um projeto de detrimento das formas de viver não urbanizadas e não centradas na figura das máquinas e das indústrias de queimas de combustíveis. A velocidade, posteriormente associada a um desenvolvimentismo estatal viraram o modus operandi e a propaganda dos estados nação no século XX. De forma alguma esse pensamento correspondeu à manutenção da vida não humana, ou da vida não urbana, ou da compreensão da natureza para além do positivismo extrativista. Os povos e seus conhecimentos estabelecidos à beira do humanismo, os não tão brancos para estarem no corpo desta filosofia, jamais foram considerados como ciência ou sequer como humanidade, e isso gerou uma esquizofrenia com a terra tal qual vivemos hoje.

O pensamento do progresso é imbricado na tradição evolucionista, para além do darwinismo, o evolucionismo social, o racismo científico. Essa linha reta, que só cresce, ou só vai para frente, ignora as outras formas de entender o tempo e o mundo não cronológicos. Os povos indígenas de Abya Yala, de África e até de demais países asiáticos viveram e vivem a partir de outras relações com o tempo: da terra e do mundo. Essa guerra cosmológica é uma guerra entre unilateralismo /universalismo e multiperspectivismos, poderíamos assim trazer um recorte. Tento abordá-la no meu trabalho seja a partir das imagens, dos discursos, das narrativas em vídeo, música, poesia e performance. Falar sobre esse problema se tornou inevitável de uns anos para cá, e trabalhar com incômodos, muitas vezes a partir da ironia ou até do nonsense, está bem próximo com minha produção.


CM: Num mundo dominado pelas imagens e, mais recentemente, por imagens de inteligência artificial, qual a importância de se  abordar a ancestralidade e magia na sua prática artística?

A magia a partir de onde falo vem da relação com os antepassados; relação essa mediada por tecnologias tradicionais, anteriores às máquinas, aos algoritmos etc. Não sei se precisamos, como sociedade, falar sobre magia. O que sei é que preciso falar, afinal é também a minha realidade inevitável.

CM: O fácil acesso ao celular e a disseminação dos meios de produção e circulação de vídeos independentes, reconfigurou modelos econômicos, sociais, culturais ao democratizar meios de produção audiovisual, ampliando o acesso e proporcionando novos meios de produção da autoimagem… Como você enxerga a disseminação das novas ferramentas de inteligência artificial a que temos acesso hoje em dia?

Vejo como algo a ser tratado cautelosamente. Inteligências artificiais hoje são moedas e apostas de grandes empresas de tecnologia que pouco retornam à sociedade e que nada têm a oferecer que não mais extrativismo, humano e não humano. E há muito de trabalho humano não remunerado nelas. Mais do que é deixado transparecer.

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