Ela questiona, através da arte, diversas vivências. Muitas delas esbarram em questões sobre a feminilidade, corpo, sociedade, ocultismo e espiritualidade, negritude, vivências coletivas e individuais, sendo essas investigações por meio abstrato, cinema, música, moda, comportamento, natureza, entre outros.
Artista multidisciplinar, 28 anos, de São Paulo SP, PAGÔ trabalha se apropriando e investigando a valorização e desenvolvimento do Processo Artístico através de diversas técnicas e suportes artísticos, criando; quadros, esculturas, zines, roupas, acessórios, colagens, textualidades e processos fotográficos históricos (cianotipia).
Ela questiona, através da arte, diversas vivências. Muitas delas esbarram em questões sobre a feminilidade, corpo, sociedade, ocultismo e espiritualidade, negritude, vivências coletivas e individuais, sendo essas investigações por meio abstrato, cinema, música, moda, comportamento, natureza, entre outros.
"Como mulher preta no mundo da arte, espera-se um discurso e uma estética específica, que muitas vezes é estereotipada, e empurrada como única permitida a ser discutida para artistas como eu, por isso, parte do meu trabalho é poder ampliar e multiplicar tanto as temáticas quanto às estéticas, com as minhas referências e pesquisas, desenvolver trabalhos que possuem discursos relacionados a mim, aos meus gostos e aos meus questionamentos, independente dos rótulos impostos."
CM: Qual relação você constrói entre a feminilidade, ocultismo e a sua própria espiritualidade e como esses três temas influenciam a sua criação?
Inevitavelmente todos os elementos que fazem parte de mim se conectam e atravessam meus trabalhos.
Como mulher, existe uma feminilidade específica que nos é imposta, com conceitos pré definidos de como devemos expressá-la. Durante um longo período da minha vida, principalmente na infância, essa especificidade comportamental me fazia sentir distante de mim mesma, porque não me identificava com a estrutura. Assim como a questão da espiritualidade: por ter nascido em um lar cristão que muitas vezes batia de frente com as minhas crenças, passei a desenvolver uma ojeriza pelo tema.
Através da arte, da maturidade e das minhas pesquisas e vivências, fui encontrando e percebendo que existiam outras maneiras de expressar e me conectar com a minha feminilidade única e íntima, assim como ressignificar os conceitos da espiritualidade.
E durante essas pesquisas, identifiquei que um tema que estava sempre recorrente e me despertando interesse era o paganismo. Como esses foram temas “recentemente descobertos” e revolucionários no meu desenvolvimento pessoal e artístico, eles estão muito vivos na minha mente e produção. Arte, corpo e espírito estão entrelaçados e são essenciais nessa jornada. Aprofundar-se neles me abriu caminhos inimagináveis de um “eu” desconhecido que só estava aguardando para ser despertado.
CM: Seu trabalho transita por uma variedade de técnicas e processos diversos. Na sua jornada criativa, quais são os critérios que te guiam na alquimia da qual resultam as suas obras?
Estou sempre aberta à minha intuição. Mas para desenvolver um trabalho, é necessário se atentar ao processo. Alcançar resultados exige muita pesquisa, experimentações, e inevitavelmente muitos erros. Valorizo o processo como parte essencial da criação, importante como a obra final. Permito que a obra se mostre e me guie durante a sua feitura. Me conecto com as técnicas, na maneira de fazê-la e no resultado que ela pode me oferecer. Ter um resultado bem sucedido é a busca eterna do artista, que acaba esquecendo que o “erro” também é um caminho para o “acerto” e todos esses conceitos são variáveis de acordo com cada obra.
Não é o resultado final que me guia, e sim a sua construção. Muitas vezes não sei ao certo o que quero fazer, nem como quero que ele pareça, por isso me mantenho sempre aberta ao diálogo ‘obra e artista’. Diferentes técnicas são só diferentes caminhos para empregar a minha arte. Minhas obras são uma extensão pessoal, e por isso, independente de como elas soem, ou quais materiais eu utilize, elas estão diretamente em comunicação com o meu eu e o meu desejo de experimentar. As ideias não vêm prontas. Mesmo que elas “surjam” na minha mente, elas vêm através de referências e antigos acessos que podem ser transmutados. A arte é alquimia pura.
CM: Pra você, qual é a importância de se ampliarem as estéticas e discursos possíveis para mulheres artistas negras que desejam adentrar o mundo da arte? Quais conflitos ocorrem quando você se depara com estereótipos sobre o que se espera do seu trabalho?
A importância da ampliação vai muito além de um discurso direcionado a respeito de nós artistas negros. É essencial poder produzir além das suas características. Se sentir preso e estagnado dentro de estereótipos durante um processo criativo é o oposto do que a arte nos oferece.
A mente criativa, quando estimulada, não vê, nem identifica características externas.Ser mulher e preta, são elementos que somam a minha criação, me dão um outro ponto de vista diante do que eu estou produzindo, mas não deve nunca direcionar a maneira como essa produção pode ou deve ser feita.
Infelizmente, dentro dessa estrutura social racista em que vivemos, nos empurram a obrigação de criar algo que chamo de “arte educativa racial”, uma arte que precisa explicitar que foi desenvolvida por uma pessoa preta através de estereótipos, onde as temáticas estão sempre relacionadas ao racismo, à violência e ao sofrimento. E claro, são temas que precisam sim ser discutidos, mas não são as únicas coisas que sabemos falar.
É como se existisse uma necessidade de alguns curadores em demonstrarem que não são racistas, e pra isso eles precisam provar de forma não textual que eles estão incluindo artistas negros nas suas curadorias.
Me soa que pra eles não vale a pena ter um obra de um artísta negro se não ficar claro que é de um artista negro. Caso contrário, as pessoas não saberiam que o curador é “inclusivo”. Já pros artistas brancos lhes é permitido o abstrato, o reflexivo, o conceitual, e muitas vezes, qualquer coisa, desde as mais básicas e repetitivas. Como se só o artista branco tivesse a capacidade de desenvolver projetos realmente profundos que vão além do que se é possível enxergar. E tudo isso é só mais uma das milhares de faces do racismo. O povo preto é múltiplo, mulheres negras são múltiplas, eu como um indivíduo sou múltipla, assim como a minha arte.
CM: Você possui links de venda pras suas obras? Se sim, pode colocar aqui?
linktr.ee/pagonismo