O movimento começa no código e termina na comunidade
Nascida na Vila dos Marmiteiros, em Minas Gerais, Michela Galvão descobriu na tecnologia um portal de transformação. Filha de uma costureira e de um empreendedor informal, ela cresceu em um ambiente onde trabalho e criatividade eram questões de sobrevivência — e não de escolha. Hoje, com mais de 30 anos de atuação no universo tech, Michela é referência quando o assunto é blockchain, letramento digital e impacto social. Mas antes de ocupar cargos de liderança em comunidades globais, ela já programava realidades possíveis dentro da sua própria.
“Eu nunca fui CLT. Sempre empreendi, como minha família, mas com as ferramentas que eu tinha”, conta. Foi em um curso de manutenção de computadores no SENAI que Michela encontrou a primeira chave para hackear o sistema. Desenvolveu sites, migrou para aplicativos quando percebeu o movimento de atenção das pessoas, prestou consultoria, estudou redes e sistemas. Mas foi em 2018, ao participar de um evento sobre blockchain, que algo clicou de forma definitiva: descentralizar é redistribuir poder.
“Sou a primeira mulher negra a falar sobre blockchain no YouTube no Brasil”, diz com firmeza. “A minha paixão vem desse entendimento de que o poder está voltando para as mãos do usuário — e quem é o usuário? O povo.” A partir daí, a missão ficou clara: educar, capacitar e gerar renda. “Para hackear o sistema, precisamos entendê-lo.”
Durante a pandemia, Michela cofundou com sua irmã o projeto Empodera MG, um programa de mentoria e planejamento de vida para jovens mulheres em situação de vulnerabilidade. O piloto foi um sucesso e revelou o que ela já intuía: existe uma demanda urgente por acesso ao conhecimento nas periferias. O projeto cresceu, se estruturou e se tornou o Impacto Coletivo, um HUB de letramento digital e racial baseado em Belo Horizonte, que utiliza blockchain e Web3 para impulsionar negócios de mulheres em comunidades de vilas e favelas.
A metodologia do Impacto Coletivo é dividida em três etapas: Despertar, Desafiar e Acelerar. Ao longo de um ano, as participantes passam por formação EAD, mentorias com grandes instituições e acesso a investimento para tirarem seus negócios do papel. Em 2025, a meta é clara: impactar mais de mil mulheres, sendo que a cada dez pagantes, duas entram como bolsistas. “Nós não somos uma ONG. Somos uma startup. Estamos aqui para fomentar negócios.”
A jornada de Michela não passa despercebida. Em 2023, foi eleita a Melhor Educadora Web3. Hoje, integra comunidades e conselhos como a ForbesBLK, a HER DAO e a UNESCO-SOST. Com o Impacto Coletivo, ela não só constrói pontes entre a periferia e as novas tecnologias, mas desenha um ecossistema onde mulheres negras e periféricas criam, lideram e transformam.
“Se a tecnologia não for acessível para todas as pessoas, ela não é acessível. E mudar o sistema por dentro... talvez não seja ingenuidade. Pode ser talento.”