The Real Fremen: Quando a Moda de Duna Encontra os povos originários

Frank Herbert, criador do universo de Duna, assumiu essa inspiração. O litham, véu que protege contra areia e calor, é um exemplo claro de como elementos de sobrevivência no deserto se transformam em ícones de estilo no cinema.

Cultura // Spotted: Human
por Sarah Rocksane Araújo
Agosto, 2025

Os Fremen de Duna não surgiram do nada. Sua força visual, véus, mantos, ornamentos e tatuagens, não é apenas fruto de invenção cinematográfica, mas herdeira direta da cultura de povos originários do Norte da África. A base estética que sustenta a identidade desses personagens vem dos Tuareg, um povo nômade pertencente à etnia Amazigh, cuja presença se estende por Mali, Níger, Argélia e Líbia.

Frank Herbert, criador do universo de Duna, assumiu essa inspiração. O litham, véu que protege contra areia e calor, é um exemplo claro de como elementos de sobrevivência no deserto se transformam em ícones de estilo no cinema. Para os Tuareg, é mais que um acessório: é uma tecnologia ancestral, construída ao longo de séculos, que une funcionalidade e significado cultural.

Nos figurinos de Duna, essa influência vai muito além do que se vê à primeira vista. Em Duna: Parte II, Lady Jessica ostenta tatuagens faciais quase idênticas às tradicionais usadas por mulheres Amazigh, símbolos que funcionam como amuletos de proteção e estão ligados à fertilidade e à espiritualidade. Não são meros adornos visuais, são narrativas inscritas na pele.

A joalheria também carrega esse diálogo. O adorno de cabeça da Princesa Irulan, embora derivado de um modelo Paco Rabanne FW2020, traz referências claras à ourivesaria e aos códigos simbólicos Amazigh. A adaptação mostra como a indústria da moda e do cinema absorve saberes tradicionais, mas também evidencia um dilema ético: quem se beneficia e quem permanece invisível?

E é aí que reside o ponto crucial. Quando a estética de povos originários é utilizada sem o devido crédito ou participação, corre-se o risco de esvaziar seu significado e perpetuar a invisibilidade histórica desses grupos. Reconhecer a origem não é um gesto opcional: é um ato político e de reparação cultural.

Duna prova que o impacto visual do cinema de ficção científica pode nascer do encontro entre o futuro imaginado e o passado ancestral. Mas também nos lembra que a preservação dessas culturas não se faz apenas na tela — exige valorização real, reconhecimento público e apoio às comunidades que mantêm vivas essas tradições.

O futuro da moda e do design não será construído apenas por novas tecnologias ou tendências de temporada, mas pelo respeito e pela integração consciente de linguagens visuais que sobreviveram a séculos de opressão. Porque cada dobra de tecido, cada traço de tatuagem e cada peça de joalheria carrega não só beleza, mas a história de um povo que resistiu, e que merece ser visto, ouvido e creditado.

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