Artista canadense de ascendência Salto, da Yellow Quill First Nation, Dion parte dos ofícios tradicionais indígenas para elaborar um vocabulário visual que dialoga com memória, ecologia e identidade.
No campo expandido do design têxtil, a obra de Wally Dion insere-se como um gesto de preservação e reinvenção cultural. Artista canadense de ascendência Salto, da Yellow Quill First Nation, Dion parte dos ofícios tradicionais indígenas para elaborar um vocabulário visual que dialoga com memória, ecologia e identidade.
Na série Grass Quilt a abordagem projeta de sua obra se mostra inerente, aqui, o quilt (técnica de montagem de colchas por meio de blocos de tecido) é transposto para superfícies translúcidas. O padrão em forma de estrela, recorrente entre comunidades nativas dos EUA e Canadá, carrega significado profundo: essas colchas são tradicionalmente presentes cerimoniais, símbolos de honra e reconhecimento comunitário.
O gesto de Dion não é apenas formalismo, é manifestação de uma ancestralidade reinventada por meio de uma colcha em tecidos translúcidos. Seu trabalho aqui reconfigura a função do objeto, da utilidade doméstica ao campo da arte e do design contemporâneo. A transparência introduz uma leitura poética: o tecido deixa passar a luz, como se a memória não fosse opaca, mas permeável, permitindo que passado e presente se iluminem mutuamente. Historicamente, as colchas substituíram vestes de pele de bisão, também usadas como presentes de alto prestígio. Essa transição foi marcada pela dizimação dos rebanhos, consequência direta da expansão colonial nas Grandes Planícies. Ao retomar o padrão presente na tradição e vinculá-lo ao ecossistema original da região, Dion constrói uma narrativa visual que devolve o bisão ao território, ainda que de maneira simbólica.
O bisão, para algumas comunidades indígenas, representa sustento, economia, espiritualidade e reciprocidade com a terra. Sua ausência representa uma ferida coletiva e sua presença simbólica, nas narrativas, memórias, documentos e na obra de Dion, é um ato de reparação e permanência de sua existência. Nesse contexto, sua obra se coloca como plataforma de diálogo entre design e experimentação, onde a materialidade translúcida, aliada a uma estrutura geométrica precisa, reflete um rigor técnico que, ao mesmo tempo, preserva e desloca a tradição. Para o campo do design, a obra de Dion desafia uma lógica recorrente: a de que inovação e herança cultural se opõem. Pelo contrário, seu trabalho prova que a tradição pode ser o ponto de partida mais fértil para pensar linguagens estéticas contemporâneas.