Entre Ruas e Rios: A Arte de Marcos da Matta

Cores do cotidiano e legado, conheça a história do Artista Baiano

Cultura // Movimento
por Caíque Nucci
Outubro, 2024

Marcos da Matta nasceu em uma cidade pequena no interior da Bahia, sendo filho de mãe solteira e caçula de três irmãos. Desde cedo, ele enfrentou desafios em sua trajetória. “Nunca tive muitas oportunidades de emprego e estudo na cidade onde cresci. Estudei em escola pública e terminei o ensino médio em 2008. Já pensava em fazer o ENEM, mas nunca me enxerguei dentro desse lugares tradicionais de trabalho”, conta Marcos, refletindo sobre as limitações daquela época. 

As referências artísticas que tinha na cidade eram de escultores locais, mas nenhum deles estava inserido no mercado de arte. “Os eventos de arte por lá eram muito escassos; tínhamos apenas uma feira de arte anual. Viver só de arte no interior da Bahia não era possível naquela época”, explica.

Apesar das dificuldades, ele sempre gostou de desenhar e pintar, mesmo sem enxergar a possibilidade de fazer da arte uma profissão. “Ao mesmo tempo, era difícil pensar e viver sem arte.”

Após concluir o ensino médio, Marcos se mudou para Salvador em busca de emprego e conseguiu um trabalho em um restaurante. “Continuava com a arte como minha válvula de escape”, diz ele. Porém, a adaptação à vida na cidade grande não foi fácil, e ele acabou voltando para o interior.

Acesse a matéria pelo celular e clique no botão para ver uma releitura da obra de Marcos da Matta em Realidade Aumentada no seu espaço

De volta à sua cidade natal, começou a fazer bicos de arte e, em 2013, descobriu um curso de artes visuais em Cachoeira, que ficava perto de sua casa. “Entrei no curso em 2014 usando o ENEM. Era um curso voltado para tecnologias, como fotografia e web design, mas percebi que minha linha de arte era mais tradicional, com pinturas e trabalhos mais artesanais”, revela Marcos. Ele entrou no curso já com uma técnica pessoal, desenvolvida a partir de suas experiências e aprendizados anteriores. 

Marcos se formou em 2019, mas logo enfrentou a crise da pandemia, que o levou a uma reflexão importante: “Tive que entender se seguiria o sonho de ser artista independente ou se buscaria um trabalho em alguma grande empresa do mercado tradicional.” Durante a Feira Literária Internacional de Cachoeira, ele decidiu vender suas obras na rua e, observando o cotidiano, criou os primeiros trabalhos da Série Correria, que mais tarde foram exibidos na SP Arte Rotas Brasileiras.

Marcos da Matta

A primeira participação de Marcos na SP Arte aconteceu online, durante a pandemia. “Foi um divisor de águas. Meu trabalho começou a ter mais visibilidade, mas ainda não era o suficiente para conseguir me sustentar apenas com isso”, confessa. Em 2021, ele chegou a pensar em desistir, mas a pandemia o ajudou a criar com mais intensidade, usando a arte como terapia. “No ano seguinte, uma galeria de Salvador se ofereceu para cuidar de mim e me representar”, diz, lembrando do apoio recebido.

Um dos principais desafios que enfrenta é a circulação do seu trabalho. “A maioria dos artistas e obras fica centralizada no eixo Rio-São Paulo. Se para alguém de Salvador já é difícil, imagina para quem está em uma cidade no interior, ainda mais longe”, observa. Atualmente, ele possui um ateliê de arte em Cachoeira, que ainda está em processo de construção, mas já é um espaço significativo para ele.

Sobre seu processo criativo, Marcos destaca a experiência de 2019, quando vendia suas obras na rua. “A rua se tornou uma fonte de renda para muitas pessoas, como vendedores ambulantes. A partir dessa observação, percebi que, mesmo em situações difíceis, ainda é possível ver pessoas felizes, se divertindo e conversando”, explica. Neste momento, ele está em uma residência artística “Escutar o Paraguaçu”, que traz uma reflexão sobre a preservação do rio e das comunidades ao seu redor. “Quero entender como o rio e a rua se encontram nessas questões”, afirma.

As caixas de isopor, para ele, simbolizam o trabalho nas ruas. “Faço uma espécie de arqueologia com essas ferramentas. Elas ajudam as pessoas a imaginarem como é a vida delas”, comenta. Para ele, o celular é sua primeira ferramenta de captura. “Fotografo e escrevo as ideias que surgem a partir do que vejo nas ruas. Depois, monto uma cena com três tempos diferentes no tablet”, explica, enfatizando que muitas vezes a falta de acesso a equipamentos pode fazer com que os trabalhos não existam ou morram apenas na ideia.

Para o futuro, Marcos pretende levar seu trabalho para a rua, criando itinerâncias para torná-lo mais acessível. “Penso na rua como uma oportunidade de valorização do trabalho artístico e de como ele pode tocar as pessoas que o verão”, finaliza. Ele ainda compartilha um conselho valioso: “Crie em coletivo, em grupos. Pensem em construir uma rede com pessoas próximas que tenham o mesmo objetivo, para que todos possam se impulsionar e desenvolver juntos.”

Desde 2019, ele faz parte de um grupo que começou na universidade e tem desenvolvido diversos trabalhos com uma comunidade de artistas que se apoiam mutuamente. “O caminho é o desenvolvimento coletivo. Com ele, conseguimos chegar mais longe.”

Ler mais