Matheus Ribs: O artista carioca que aprendeu a transformar a escrita em imagem.

Desempenhando um papel de resgate da Ancestralidade através da Arte, Matheus Ribs conquistou espaço no cenário de arte contemporânea e pode ser considerado um dos principais artistas dessa geração.

Design // Spotted: Magic Lines
por Caíque Nucci
Março, 2024

Nascido em 1994 na Rocinha, filho de pai maranhense de ascendência indígena e mãe imigrante cearense, Matheus Ribs é Cientista político, pesquisador e artista. Sua pesquisa estabelece confluências entre a espiritualidade afro-brasileira e indígena, destacando elementos dos ritos, cultos, trajes, grafismos e também os impactos da violência colonial, sobretudo do racismo ambiental sobre os corpos racializados. 

Entendendo o colonialismo como um feitiço desencantador de corpos e territórios, Ribs assume seu trabalho como instrumento de reencantamento do mundo, uma espécie de contra-feitiço, que busca dissipar as reverberações do colonialismo e denunciar suas violações aos diferentes modos de estar e existir no mundo.

Foto por @laradias

Em 2022, Matheus Ribs participou das exposições Histórias Brasileiras no MASP e Um Defeito de Cor no Museu de Arte do Rio, em 2023 fez sua primeira exposição internacional na LaFab em Paris e participou de Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira no CCBB-SP.

Conversamos com Matheus para entender um pouco mais sobre o universo do artista, seu principal ponto de partida e os desafios que encontra em uma era digitalizada.

O que te levou a criar narrativas visuais através da arte? Qual foi o ponto de partida para você se tornar um artista?  

A imagem sempre me mobilizou muito desde a infância, sobretudo o desenho. Para o bem e para o mal, a visualidade é central na forma de me relacionar com o mundo. Mas antes de entender isso, eu tive de passar pelo campo das palavras. Ingressei na academia muito atraído pela política, uma esfera que eu ainda não compreendia, mas que desejava disputar como instrumento de transformação das coisas. Concluí o curso de Ciência Política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, trabalhei com Educação Escolar Indígena e nesse processo, finalmente compreendi que havia uma fluidez na minha capacidade de transformar a escrita em imagem. Através do desenho, conseguia realizar conexões, gerar debates, sugerir pensamentos e facilitar leituras que antes dependeriam do acesso à uma extensa bibliografia. Foi a partir deste ponto que assumi o desenho como trabalho. As ilustrações e as charges como suporte emergem de uma infância de quem não teve acesso às artes, minha educação artística deu-se através dos gibis, dos quadrinhos e revistas. Somente em 2021, passei a desenvolver o meu trabalho de pintura, quando surge a necessidade de aprofundar as narrativas visuais que eu estava propondo, de trabalhar num tempo mais alargado com a imagem e a matéria, além de disputar o campo das artes como um lugar que eu também poderia ocupar. 

Quais são os principais desafios tecnológicos que você enfrenta na divulgação da sua arte nos canais digitais? Como você enxerga a relação existente entre arte e tecnologia? 

Meu trabalho emerge em paralelo ao desenvolvimento e a ampliação do acesso aos canais digitais na sociedade. Isto se deu não somente por uma questão geracional de quem cresceu e formou-se numa era tecnológica, mas também pela forma como comecei a trabalhar através da internet. Minhas primeiras produções partem de junho de 2013, um momento histórico na democracia brasileira que levou milhões de pessoas às ruas através de uma onda de insatisfação e que reverbera até hoje diversas consequências à nossa democracia. Era a primeira vez que os canais digitais serviam para organizar manifestações, assim como era a primeira vez que eu utilizava esses canais para publicar charges e análises da conjuntura política e social. Nos primeiros anos as redes sociais pareciam ser bastante aliadas ao meu trabalho, até que comecei a sentir o peso do tempo e das demandas que a internet trazia. É neste momento, que os canais digitais passam de aliados à desafiadores do meu processo artístico. Nesse processo, decidi que abandonaria o tempo do post para me dedicar ao tempo da obra. Foi aí que a pintura emergiu como uma espécie de contrafluxo ao tempo que a internet nos impõe.

Ouso dizer que o maior desafio entre arte e tecnologia, passa por resguardar o processo artístico e o poder subjetivo que arte exerce sobre a humanidade, numa era de fazer mecânico e de uma reprodutibilidade técnica. Manter o trabalho vivo, vibrante e encantado, é sem dúvidas o maior desafio de um artista diante da tecnologia. 

Lavagem, da série “O Futuro Não Demora: Ebós, Osés e Encantarias nos espaços de poder” (2021), óleo sobre tela.

Durante seu processo criativo, qual o viés principal ou fonte no qual você se ancora para criar novas possibilidades de artes e pinturas que foquem em transmitir um novo olhar sobre a estética latino-americana no cenário artístico? 

Não há como falar de América Latina sem passar pela ancestralidade e pelo trauma colonial que atravessa a história desse território. Estas duas esferas por si só, já seriam responsáveis por influenciar a relação de qualquer trabalho artístico com as figuras, cores, formas, paisagens, narrativas e toda sacralidade presente em Abiayala. Um novo olhar sobre a estética latino-americana é na verdade um olhar para o que veio antes. Nesse sentido, o meu processo criativo se ancora no encontro da ancestralidade indígena e africana, atravessadas pela violência colonial, que faz emergir na contemporaneidade uma estética única e impossível de ser replicada em qualquer outro lugar do mundo. Nossas paisagens são marcadas pela beleza natural deste território em contraste com devastações como o desmatamento, a monocultura, a mineração e as urbanizações complexas. Nossos corpos racializados ocupam o lugar do trabalho árduo e da mão de obra barata, mas também ocupam o lugar dos festejos populares e de uma relação profunda com os signos de fé e espiritualidade. Um novo olhar sobre esta estética talvez passe por dizer ao cenário artístico e ao mundo, que apesar de toda violência e apagamento que atravessamos, seguimos vivos, artisticamente relevantes e esteticamente originários. 

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