O glamour das vitrines e dos cliques esconde um processo industrial que se desenrola anos antes, em escritórios de multinacionais que controlam insumos, tecidos, acabamentos e, sobretudo, a logística que decide o que estará (ou não) disponível no mercado.
A cadeia de moda, na sua engrenagem global, raramente começa no feed do Instagram, embora seja ali que o público costuma percebê-la. Quando uma tendência atinge influenciadoras, blogueiras e celebridades, ela já percorreu um longo caminho, e, na maioria das vezes, está próxima do seu auge… ou da sua saturação. O glamour das vitrines e dos cliques esconde um processo industrial que se desenrola anos antes, em escritórios de multinacionais que controlam insumos, tecidos, acabamentos e, sobretudo, a logística que decide o que estará (ou não) disponível no mercado.
Nessas instâncias, longe das passarelas, ocorrem negociações estratégicas. Feiras internacionais como a Première Vision, em Paris, Focus Fashion Summit em São Paulo, ou a Milano Unica em Milão, apresentam não apenas novidades, mas também soluções para questões muito mais pragmáticas: escoamento de estoques, lançamento de tecnologias de produção mais baratas, aproveitamento de cores ou matérias-primas já disponíveis em larga escala. A tendência, nesse sentido, é frequentemente consequência de uma conveniência logística e não apenas de um suposto sopro criativo de marcas e designers.
É aqui que entram as agências de previsão de tendências, como WGSN, e institutos como o Pantone. O que se vende como “cor do ano” ou “movimento cultural” é, na prática, resultado de uma síntese entre comportamento e viabilidade industrial. O storytelling é construído para sustentar a adoção massiva, conectando dados de consumo, referências visuais e narrativas socioculturais. É uma operação complexa que envolve psicologia de mercado e marketing emocional, mas que, no fim, ainda obedece às leis da produção e da distribuição.
As grandes marcas de moda têm, nesse jogo, o papel decisivo. Seu poder de colocar um produto em vitrines de todo o mundo é o que transforma um item em tendência global. Em seguida, influenciadoras e celebridades atuam como tradutoras: transformam esse produto em desejo, integrando-o a um lifestyle aspiracional que acelera o consumo. Não são criadoras originais dessas tendências, mas sim as embaixadoras que as tornam tangíveis para o público. Esse sistema, altamente eficiente do ponto de vista econômico, é também o campo de maior tensão para quem busca autenticidade no design. Ao mesmo tempo em que a moda autoral, independente e experimental tenta criar novas narrativas, muitas vezes a partir de pesquisas de materiais, métodos artesanais ou referências culturais específicas, assim como as vivências de cada designer e criador, ela disputa atenção com um mercado capaz de absorver e diluir qualquer inovação em tempo recorde. Ou mesmo, absorver sua criação em uma bola de neve onde a industria da criação muitas vezes não dá os devidos créditos.
A questão central para o design na moda contemporâneo não é apenas “o que é tendência”, mas “de onde vem e a quem serve”. Reconhecer que parte das escolhas criativas é determinada por cadeias de suprimento e não apenas por visão artística muda a maneira como entendemos o que vestimos. E levanta um desafio ético: como manter a integridade criativa em um sistema que transforma até o gesto mais original em commodity?
No cenário atual, onde a velocidade de circulação é cada vez maior, o espaço para a moda verdadeiramente autoral exige estratégias próprias: produção menor, comunicação direcionada, compromisso com narrativas consistentes e, principalmente, uma resistência calculada às forças homogeneizadoras do mercado. Se a indústria global dita as cores, formas e texturas por conveniência, cabe ao designer (e ao consumidor) decidir se seguirá esse fluxo ou se buscará outros caminhos.