Em Sintonia Com a Moda Nacional

Três décadas se passaram desde o nascimento da São Paulo Fashion Week (SPFW), um marco inegável na moda brasileira. Sob a liderança de Paulo Borges e a realização da IMM, o evento evoluiu significativamente, abraçando a diversidade, a sustentabilidade e a arte.

Moda // Fashion System
por Sarah Rocksane Araújo
Abril, 2024

Três décadas se passaram desde o nascimento da São Paulo Fashion Week (SPFW), um marco inegável na moda brasileira. Sob a liderança de Paulo Borges e a realização da IMM, o evento evoluiu significativamente, abraçando a diversidade, a sustentabilidade e a arte.

Na última edição, chamada Sintonia, que aconteceu entre os dias 9 e 14 de abril, a SPFW deu o tom ao se unir à Orquestra Sinfônica de Heliópolis na abertura, sinalizando uma fusão entre moda e arte. Contudo, por trás do glamour, surgem questões sobre gestão, incluindo o apoio aos talentos locais e o equilíbrio entre influenciadores e jornalistas. Apesar dos desafios, o impacto da SPFW na cultura brasileira é indiscutível. O evento se tornou um catalisador para o reconhecimento internacional da moda nacional, graças à visão de Borges de valorizar os talentos locais.

Enquanto nas primeiras edições predominava uma elite branca, Borges sempre buscou diversidade e inclusão. Movimentos sociais como o Sankofa impulsionaram essa mudança, abrindo espaço para estilistas outrora marginalizados. Hoje, vemos uma SPFW mais inclusiva e representativa, onde estilistas como Isa Isaac Silva, Maurício Duarte e Mônica Sampaio têm seu merecido destaque, ocupando espaço inimagináveis a 30 anos atrás, tornando-se um testemunho da evolução contínua no cenário da moda nacional, impulsionada pelo desejo de mudança e progresso.

Sarah Rocksane

CONFIRA OS DESTAQUES DOS PRINCIPAIS DESFILES DA EDIÇÃO N 57

RENATA BUZZO

Na vanguarda das tendências contemporâneas, Renata apresenta uma coleção que ecoa os ressonantes clamores da cultura moderna: o "Female Rage". Uma narrativa onde a moda se torna a voz de uma expressão feminina intensa e poderosa. Flores, vestidos etéreos e uma paleta de tecidos luxuosos como veludo, pelúcia e tule são os protagonistas dessa história visual.

Completando o cenário, corpetes, meias-calças e cabelos longos enriquecem a tapeçaria da feminilidade revolucionária. A silhueta vitoriana emerge como um elemento marcante, entrelaçado com uma energia pulsante de fúria, como se cada peça fosse uma declaração sobre o poder feminino. No Fashion Filme da marca, essa narrativa se desenrola, revelando a jornada de uma mulher através de seus traumas, moldada pela força redentora da moda.

Entretanto, não se trata apenas de uma explosão de emoções. As peças apresentam um acabamento impecável, destacando-se como símbolos de determinação e independência feminina. É uma coleção para aquelas que não temem lutar por seus desejos, seja pela busca da autonomia ou pela busca de justiça. A noiva que fecha o desfile evoca a imagem de Dani, de "Midsommar", sugerindo que, mesmo no ápice da fúria, há espaço para a redenção e a felicidade. Renata nos convida a refletir sobre o poder transformador da moda, onde a expressão feminina encontra sua voz mais eloquente.

SILVÉRIO

Os holofotes da moda nacional foram direcionados para Silvério, que comemorou uma década de estilo impecável em um desfile que reafirmou seu status como o último romântico do setor. Conhecido por sua alfaiataria precisa e silhuetas sofisticadas, Silvério mais uma vez impressionou com sua coleção "Sublime".

A marca trouxe uma visão afável do streetwear, onde a precisão da execução se destacou em cada detalhe. Os drapês e a alfaiataria espiralada foram habilmente incorporados em tecidos como sarja e algodão, resultando em um minimalismo despretensioso que desafia os padrões de gênero.

Esta não é apenas uma coleção de roupas; é uma reflexão sobre uma nova forma de amar, mais inclusiva e ampla. Silvério nos lembra que a moda vai além do tecido e da costura, é sobre contar histórias e transmitir mensagens. Neste caso, é uma declaração de amor à diversidade e à beleza encontrada na simplicidade.

LED

A LED apresentou um desfile memorável sob o título "O Lindo Baile do Amor", com o apoio da Riachuelo. A coleção, concebida por Célio Dias, mergulhou nas profundezas das emoções humanas, retratando as diferentes fases do amor através de uma perspectiva singular. Através das peças apresentadas, Célio Dias conduziu o espectador por uma jornada emocional, transitando entre o cenário urbano e rural. Estampas de chamas adornavam vestidos, casacos e moletons, enquanto transparências e franjas abraçavam os corpos, realçando a intensidade do sentimento retratado. Elementos como redes em cores neon adicionam um toque de contemporaneidade à narrativa.

A influência dos anos 1990 se fez presente nos looks em denim, com modelagens amplas e estampas descoladas, numa clara homenagem à estética baggy da época. 

A trilha sonora, cuidadosamente selecionada, complementou a atmosfera do desfile, variando de Pabllo Vittar e Cansei de Ser Sexy a clássicos como "Evidências" de Chitãozinho & Xororó. O público, cativado pela experiência sensorial, aplaudiu de pé na volta final do evento, testemunhando a poderosa fusão entre moda, música e emoção na passarela da LED.

MAURÍCIO DUARTE

Maurício Duarte se tornou um dos mais esperados desfiles dessa edição. O novato que desfila sua terceira coleção, é o primeiro estilista indígena a mostrar seus trabalhos na semana de moda. Em sua nova coleção "Piracema"  o estilista explora novamente suas origens, mas dessa vez a partir da memória de vivências oriundas das práticas de pesca de seus avós. 

Em "Piracema", coleção que utiliza palavra de origem indígena Tupi, que significa "subida dos peixes", percebemos a forte presença do tema da água e das práticas de povos indígenas e ribeirinhos, principalmente nas cores que vão do azul escuro, tons terrosos, o creme e o bege presente nos vestidos tramados que se apresentam como uma alegoria às redes de pesca, armadilhas e escamas de peixe pirarucu. Destaque para a produção desses vestidos com fios de algodão de fibra natural, sem aditivos químicos, além dos vestidos e calças plissados e de modelagem ampla que se inspiram na fluidez dos rios amazônicos.

O desfile contou com a presença de artistas indígenas como a atriz Rosa Peixoto e Zahy Tenetehar, que abriu o desfile com uma performance musical em sua língua materna. 

Em sua volta final, Maurício foi ovacionado pelo público, que de pé, clamava por seu nome. 

DENDEZEIRO

A marca soteropolitana fez sua quinta aparição, apresentando uma coleção que mergulhou fundo na experiência humana, desde os primeiros passos até os momentos finais. Com um elenco de destaque, incluindo Erika Hilton, Thiago Pantaleão, Mc Rebecca, Majur, Sarah Aline e Lore Improta, o desfile foi embalado por uma trilha sonora que fundia o funk com a sonoridade baiana, complementando cada peça com ritmo.

As estampas exploravam os altos e baixos da vida, convidaram os espectadores a uma reflexão sobre suas próprias jornadas pessoais. Na passarela, a fusão de cultura e ancestralidade inspirada na obra clássica "Capitães da Areia" de Jorge Amado trouxe à tona a essência das ruas de Salvador. Os personagens, como Pedro Bala e os meninos do trapiche, representavam a luta diária para manter os sonhos vivos em meio às adversidades.

O desfile não apenas celebrou a moda, mas também transmitiu uma mensagem profunda sobre resiliência, identidade e a beleza encontrada nas experiências cotidianas da vida.

ANDRÉ LIMA

Após uma década de ausência, André Lima retorna às passarelas da São Paulo Fashion Week com uma coleção comovente, dedicada à memória de Liana Padilha, integrante do duo eletrônico NoPorn, falecida em março último. Em sua mais recente apresentação, o renomado estilista brinda o público com um espetáculo de glamour e brilho, características emblemáticas de seu estilo.

A coleção destaca-se não apenas pelo uso magistral de elementos conhecidos de seu repertório, como os característicos vestidos com pontas, mas também por uma nova abordagem, deixando de lado as estampas icônicas em favor de uma paleta que evoca cabelos, crinas e perucas. Por meio dos acessórios deslumbrantes assinados por Débora Parisotto, os looks ganham vida, transformando as modelos em verdadeiras guerreiras glamazon e heroínas retro-futuristas.

Os cabelos, com uma estética oitentista marcante, complementam os decotes profundos, saltos vertiginosos e ombreiras que caracterizam as criações de Lima.Mais do que simplesmente criar peças de moda, cada criação revela o profundo compromisso de André Lima com o processo criativo, destacando sua habilidade técnica e sua dedicação apaixonada ao ofício. Este desfile não apenas celebra a rica história da moda nacional, personificada por André Lima e sua corajosa autenticidade, mas também marca o início de uma nova fase criativa, repleta de inovação e emoção.

Um verdadeiro baile de peruas!

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