João Arthur Lehr Moroni: Artista de Porto Alegre que aprendeu a renascer

João Arthur Lehr Moroni me tocou de uma forma que não compreendi a princípio. Jovem artista, natural de Curitibanos, nasceu duas vezes, a partir do momento que foi adotado. Com um olhar profundo, sorriso encantador e um abraço apertado, João é um artista sensorial e experimental. Em suas obras, reflete sobre passado, presente e futuro de uma forma que poucos conseguem entender. 

Design // Spotted: Magic Lines
por Caíque Nucci
Abril, 2024

Em sua primeira exposição individual, apresentada na Custódio Galeria, no centro de Porto Alegre, João nos convida a uma façanha: renascer. 

E logo no início, na entrada da exibição, em um texto crítico escrito pela Prof. Dra. Anelise Valls, nos faz questionar: “A possibilidade de contarmos em primeira pessoa nossa história coloca questões: quantos ressignificados são constantemente feitos nesse arco temporal que nos traz ao aqui e agora?  Quais os acontecimentos e sentimentos que reunimos em nossa cartografia?”

Em mais de 20 obras, que compõem o projeto Nascer Duas Vezes, o artista desenrola uma série de reflexões sobre sua própria vida, que, consequentemente, nos fazem refletir sobre a nossa. Adotado enquanto ainda era um bebê, João sempre teve isso como uma questão a ser solucionada. Quando soube, era criança, e manteve como segredo por muitos anos, até se sentir confortável e pertencente à sua própria história (que seus pais haviam lhe contado: “você é filho do coração”).

Foto: João Arthur Lehr Moroni

Comprimindo em uma caixa dentro do peito, João continuou acreditando durante sua adolescência inteira que aquilo era motivo de vergonha e tristeza. Quase na fase adulta, enquanto enfrentava questões psicológicas, João aceitou que sua história já não era mais papo para o amanhã. E precisou soltar - e externar - o que já não aguentava mais carregar. 

Os rabiscos feitos com tintas em cima de bulas de remédios, que tomou por conta da depressão (e futuramente diagnosticado com transtorno bipolar), foram os primeiros passos para o ressignificar de sua história. Desenhando formas que se tornam símbolos, objetos e partes do corpo, João encontrou um caminho para seguir e se transformar: a arte.

Com suas sábias construções e mapas, de alguma forma, João também me curou.

Conheça um pouco mais sobre a trajetória e o processo criativo de João na entrevista abaixo: 

Qual foi o motivo inicial para a sua conexão com a arte? Qual o gatilho principal que ela desperta em você durante seu processo criativo?

Tudo começa na exposição, na observação e no contato direto. Como ser humano e como artista, da mimese nasce o pensar e o fazer artístico. Minha mãe é artista, então sempre tive contato com o produzir e o questionar (ou questionar e produzir). Lembro, de pequeno, ver ela sentada no chão esboçando suas pinturas, sempre descalça e com algum dos nossos cachorros ao lado, além de frequentar espaços que envolviam a atmosfera da arte, como reunião de artistas, ateliês, galerias, etc. A pintura vem diretamente dela, de minha mãe. Assim como o pensar, mas do meu pai e de minhas irmãs também. De longas conversas sobre processo criativo, filosofia, poesia e também medicina. Acho que daí surge o interesse em ouvir e contar histórias. Porque como meu trabalho é autobiográfico, muito (ou quase tudo) o que eu faço, são histórias que vivi e ouvi. 

Recorte da obra 'De lá pertenço pequeno

Em um cenário onde tudo se movimenta conectado ao online, como você enxerga os novos formatos de comunicação que unem arte e tecnologia?  Como você imagina que será o futuro da arte?

Os veículos que unem arte e tecnologia são importantes para dar espaço e conectar pessoas distantes, mas com questionamentos semelhantes. Eles acontecem para trazer mais oportunidades para todos os cantos em que é possível o seu acesso. As redes (o ser/estar online) tomam conta das novas perspectivas para o criar, mas principalmente para a divulgação, o reconhecimento e novas pontes também.

O futuro da arte, acredito, sem afirmar certezas por minha parte, é cada vez mais manual, até porque é isso que nos trouxe até aqui e agora no fazer. O aqui e o agora é o que constituem o pensamento artístico e o fazer arte.

Quando paramos para pensar no significado da Arte Brasileira, você acredita que o conhecimento e reflexão sobre a sua ancestralidade como pessoa ajudou a te fazer reconhecer o poder criativo do artista Brasileiro?

A busca, ou melhor, construção do eu é o que motiva a produção. Conhecer a sua ancestralidade, muitas vezes, não precisa ser a realidade, pode ser uma grande dúvida, e o que nos move sempre é a questão, não a resposta. Refletir e conhecer nossa história é um dever, para seguirmos em frente, e trazer à tona tópicos para causar identificação nas outras pessoas, como ser humano e também como artista.

Aimer, técnica mista sobre caixa de remédio, dimensões variadas, 2021

Sobre o Artista

João Arthur Lehr Moroni (Curitibanos/SC, 2000) trabalha com composições cuidadosas com o infamiliar, a fragmentação e o deslocamento de cenas banais da memória na pintura, fotografia, desenho e escrita. Transita por espaços geográficos na sua infância e a partir disso tenta entender sua identidade de alguém adotado. Cresceu no mundo das cores e das imagens (mãe) e desenvolve seu trabalho abordando questões existenciais, compreendendo a cor e a textura com grandes aliados para formação de experimentos. Explora o universo que o envolve (autobiográfico) para criar e se encontrar em paisagens invisíveis que faz acontecer a partir dos ruídos da cidade, dos sons do campo, das tragédias das lembranças e dos esquecimentos.

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