Por um (novo) modernismo da Misci

No Pavilhão Ciccillo Matarazzo, ícone da arquitetura moderna brasileira, projetado por Oscar Niemeyer e que abriga a Bienal de Arte de São Paulo desde 1962, aconteceu na manhã da última terça-feira, 23/04, o desfile "Tenda Tripa" da Misci.

Moda // Other Side
por Sarah Rocksane
Abril, 2024

A marca, criada pelo mato-grossense Airon Martin e prestes a completar seis anos em 2024, desvinculou-se do SPFW aproximadamente um ano atrás, optando por seguir um caminho independente dentro do cenário da moda nacional. Desde o lançamento do último drop de coleção, em outubro de 2023, Airon expressou sua intenção de trabalhar com uma ampla variedade de matérias-primas e insumos brasileiros, priorizando a sustentabilidade. Esse enfoque pode ser considerado o elemento inovador da coleção apresentada hoje.

A Misci anunciou uma significativa mudança em sua estratégia de apresentação e lançamento de coleções. Ela pretende realizar um único desfile anual no primeiro semestre, com a subsequente comercialização da coleção ao longo do ano, por meio de lançamentos mensais tanto no e-commerce quanto nas lojas físicas.

Fotos: Luciana Prezia @luprezia

Esta abordagem visa disponibilizar parte das peças imediatamente após o desfile, além disso, este formato de prévia proporciona aos clientes uma visão antecipada das tendências. Essa estratégia não apenas otimiza a produção e distribuição das peças, mas também oferece uma experiência contínua e dinâmica, alinhada com as demandas do mercado de moda contemporâneo.

CONFIRA OS DESTAQUES DO DESFILE DA MISCI

Intitulada “Tenda Tripa”, a coleção de Airon Martin vem de encontro com a alta da tendência do Western, já percebida nas passarelas de Paris pela Louis Vuitton de Pharrell Williams e pelo lançamento de Cowboy Carter da cantora Beyoncé, entretanto, a estética dos vaqueiros aqui apresentada traz em seu DNA uma visão poética sobre a vida na região do centro-oeste brasileiro: segunda maior extensão territorial do país, de clima equatorial, de longos períodos de estiagem, densa formação de uma biodiversidade vegetal e com uma população sertaneja e silvestre.

Os tons terrosos, que foram previamente apresentados na SPFW, também são evidenciados aqui; no entanto, surgem através da utilização de tecidos leves, com acabamentos que evocam a terra e a vegetação do meio oeste. Além disso, há o emprego de seda fabricada no Brasil e tecidos de algodão tingidos de forma natural, juntamente com a incorporação de retalhos de jeans com látex, resultando em um mosaico de texturas.

Fotos: Luciana Prezia @luprezia

Um dos pontos altos é a colaboração com o artista Jaime Lauriano, resultando em peças ornamentadas com bordados representativos dos elementos da umbanda e do candomblé. Esta intervenção, intitulada "Pemba Branca", traz à coleção uma rica narrativa cultural e estética. Há ainda uma colaboração das peças de beachwear com a designer Lenny Niemeyer.

Na alfaiataria já conhecida da marca, percebemos o aumento dos recortes assimétricos, em especial nos vestidos de tecido plano, que trazem um aspecto de sensualidade aos modelos.

Fotos: Luciana Prezia @luprezia

Entre os acessórios, peças já conhecidas como a bolsa Jaum Rattan, Moqueca de Pirarucu e Galão, percebemos também uma abundância de acessórios harness, que abraçam o torço nas cores marrom e verde, além da luva de dedo indicador, já anunciada previamente pela marca. Destaque para a beleza com a estreia do maquiador Leo Almeida: explorando tons mais frios nos olhos e mais quentes na boca, a versatilidade da utilização do blush como sombra ou batom, além do desenho de corações nos lábios, a beleza teve como parceira a marca Nude Stick.

Fotos: Luciana Prezia @luprezia

A miscigenação que deu origem ao nome da marca, Misci, está cada vez mais evidente, mas requer um conhecimento que fura a bolha das representações estilísticas da moda nacional. Ela olha não com nostalgia para o passado, mas com o desejo de externalizar as potências presentes nas fábulas regionais.

É o Brasil do Brasil.

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